Vimos esta frase escrita em uma camiseta vendida em Besançon, capital da região de Franche-Comté, próxima da Suíça. O queijo comté é o produto mais famoso dessa área e uma presença constante em nossa geladeira, desde que se tornou o queijo francês preferido do Mathias.

Eu tinha pensado em dar a este blog o nome "Vivendo de chèvre", pois nas minhas últimas vindas à França, o queijo de cabra sempre ocupou um espaço de destaque nas refeições. Desta vez, porém, nosso repertório queijológico aumentou e algumas preferências se consolidaram. Vou falar um pouco aqui dos novos campeões, bem como das novas percepções sobre alguns clássicos.

1. Tomme de brébis

Na França, há uma infinidade de queijos tomme, feitos com diferentes tipos de leite e vindos de regiões diferentes, especialmente da Provence e da Saboia (Savoie).

Na primeira vez que a Letícia foi ao mercado da Place des Prêcheus, comprou numa banquinha especializada um excelente tomme de brébis, ou seja, feito com leite de ovelha (brebis). Não foi exatamente na banca da fotografia inicial deste post, que é do mercado da Place Richelme, mas ambas são semelhantes em qualidade e em preço.

Fez tanto sucesso esse tomme, muito parecido com o que está anunciado como Brebis na primeira foto, que ele logo evaporou. Estávamos ainda no primeiro apartamento que ocupamos por aqui, um pouco ao norte do Centre-Ville, na Avenue Jean Moulin. Faz pouco mais de três meses isso, mas parece que foi em outra era.

Esta foto não é o tomme do primeiro mercado, mas um excelente tomme de brébis comprado hoje na Fromagerie Bédarides, que além de ótimos produtos, tem a exposição mais bonita da cidade. Por isso, tirei nela a maioria das fotos deste post.

Pode não ser a melhor foto do mundo, mas dá para notar pelo modo como a fatia se encurva que o tomme é firme, sem ser duro, e que a sua casca tem uma combinação de cores diversas, de vários tons de castanho e com pontos brancos. Pelo corte lateral, dá para notar que a casca é mais dura que o queijo, embora não seja muito grossa. Ela é um pouco crocante e tem um aroma intenso, que se mistura com o sabor mais suave do interior do queijo. Essa equilibrada explosão de sabores e texturas é o que experimentamos com os melhores tommes que comemos por aqui (entre os quais, este da foto).

Quando chegamos à Provence, eu sabia que os tommes existiam, até porque há um produtor suíço que faz um tomme em Brasília, que é vendido na Boulangerie. Mas o queijo é vendido inteiro e, por ser um pouco grande, nunca o comprei. Assim, eu conhecia o nome, mas não sabia ligar a essa palavra nenhum sabor.

Depois de saborear o fantástico tomme de brebis que a Letícia comprou, eu fui a um supermercado e comprei um queijo que também se chamava tomme, mas era um tomme de Savoie.

Eu ignorava que, no dialeto da Saboia (patois savoyard) a palavra toma se refere aos queijos produzidos nas montanhas, algo que só descobri agora, no curioso Cahier des charges de l’appellation d’origine « Tome des Bauges », que define os critérios para que um queijo possa pretender se chamar de tome des bauges. Se você leu com cuidado, a palavra aparece aqui com um "m" apenas, algo que ocorre com os queijos tomme de determinadas regiões.

Este é outro tomme, acho que de Savoie. Dá para ver que ele tem uma casca mais grossa e com tons amarelos. Ele também tem um diâmetro maior e é mais alto. O primeiro tomme que comemos tinha um formato e uma casca parecidos com esta.

Ao comprar o tomme do supermercado, eu não tinha ideia de esse nome designa uma multiplicidade de queijos que podem ser imensamente diversos uns dos outros. Descobri apenas quando cheguei em casa e vendo a cara da Ana quando provou o novo queijo com a expectativa de encontrar o gosto do tomme de brébis.

Sua decepção veio junto com uma diferenciação que nos acompanha até agora. De um lado, existe o "tomme bom", que é o excelente e caro tomme de ovelha da banquinha da feira, que custa algo em torno de 36 EUR /kg. Do outro, tinha o "tomme ruim", que custava 1/3 dese preço, mas que ela não quis continuar comendo.

Depois continuei comprando tommes, sendo que a maioria deles foi classificado como tomme médio. Um bom queijo, porque a mal-acostumada Ana simplesmente não come queijos ruins.  Mas, de fato, nem mesmo quando compramos o tomme de brébis na mesma banca, pelo mesmo preço, ele foi tão bom quanto aquele primeiro queijo que a Letícia trouxe do mercado, em nossa primeira semana em Aix.

Mais um tomme, este de chèvre, com tomilho e mel, além de ter lavanda sobre a casca. Não o comemos ainda para poder falar do sabor, mas deixo a foto para marcar a grande diferença que existe entre os muitos tommes que vimos por aqui.

2. Comté

O segundo queijo da lista é o comté, que tampouco pode faltar em nossa casa, por causa do Mathias.

O comté é o primeiro desses queijos da foto, sobre a tábua preta. Trata-se de um queijo muito grande. Em algum lugar, li que são necessários 500 litros de leite para fazer uma peça completa de comté. Ele aparece nessas grandes cunhas, pois o queijo todo deve ter uns 60 cm de diâmetro. Atrás das cunhas de comté (fotografadas no mercado da praça Richelme), tem queijos inteiros (que acho que são tommes). Ele é de um amarelo mais intenso que as cores esbranquiçadas dos tommes, mas ele não tem praticamente fungos na casca. Na primeira cunha, as marcas do corte deixam sentir um pouco que ele é firme, mas não é duro.

Se a Ana só come queijos bons, o Mathias só comia parmesão e gorgonzola, o que deixa muitos queijos maravilhosos ausentes do seu paladar. Aqui não é muito fácil encontrar parmesão e, quando achamos, o preço é alto.

"Preço alto" é um conceito que precisa ser esclarecido, pois queijo é uma comida sempre cara. Nas banquinhas da feira ou nas lojas especializadas em queijos (fromageries), o preço é o dobro daquele cobrado nas grandes redes, como Carrefour ou Monoprix. Ainda assim, estamos falando de queijos que custam em torno de 15 EUR/kg, que é um valor compatível com os bons queijos brasileiros que podemos comprar nos mercados.

O que muda mesmo é que, na França, um pedaço de bom queijo é o mesmo preço de uma garrafa de vinho. No caso do nosso amado Parmesão, os preços ficam sempre acima dos 40 EUR, nas lojas. O piso é o parmesão da marca Carrefour, que custa 25 EUR, mas nem sempre está disponível. Da primeira vez que fui ao mercado, procurei os queijos franceses mais duros que consegui encontrar, pois o Mathias é tão seletivo que, entre os parmesões, come apenas os melhores: aqueles maturados ao ponto de ficarem duros. Acabei levando um comté e um cantal, que custavam metade do preço do parmesão.

Este é um comté com 30 meses de cura, exposto na Bedarides. Para ficar com esse corte lateral perfeito, não usam uma faca, mas um fio de aço. No mercado, sempre são expostos pedaços pequenos, de uns 150 a 250 gramas, inclusive porque os mercados tendem a vender porções que não passem muito de 5 EUR. Quanto mais caro o queijo, menor a porção.

O cantal ele descartou, pois não era bom mesmo. Felizmente, porém, ele adotou o Comté como seu queijo francês. Não é tão duro quanto o parmesão, mas é bem curado, o que o torna bastante firme. Na descrição do Mathias, ele gosta de queijos que você pode raspar: se você morder, eles não podem ceder. Esse é um limite tênue, em que o comté fica de dentro, mas vários queijos semelhantes ficam de fora, por serem ligeiramente mais moles (como o abondance e o cantal).

De fato, os comté são vendidos com preços que variam em função do tempo de cura (affinage), que varia de uns 5 a uns 24 meses. Mesmo os melhores comtés custam menos do que parmesão decente. Não é propriamente barato, mas ele virou o queijo que nunca falta na geladeira. Felizmente, o Mathias prefere os comtés medianamente curados, que são affinés por cerca de 8 meses.

Dois dos queijos da geladeira hoje. À esquerda, um comté 8 meses, comprado no Monoprix. À direita, um parmesão comprado no Carrefour de Roma. Dá para notar que a casca do parmesão é mais grossa e mais dura. O interior do comté é dourado, enquanto o do parmesão é de um tom muito mais esmaecido. Pelas marcas do corte, dá para notar que a dureza do interior do parmesão é compatível com o da casca do comté.

No supermercado, eles custam metade do preço de um parmigiano reggiano, mas geram uma felicidade similar, especialmente porque eles se prestam a muitas utilidades: além de acompanharem muito bem um vinho tinto, eles também podem ser ralados sobre as massas que cozinhamos e também servem como recheio para sanduíches.

Descobri que o comté e o parmesão efetivamente fazem parte da mesma família de queijos, que são feitos com massa cozida (a mais de 45 graus) e prensada. A excelente página cozinhatecnica.com explica que, por serem cozidos, eles perdem mais água e se tornam mais duros. Além disso, a temperatura ativa bactérias termofílicas, que contribuem para que eles tenham um sabor diferente daqueles que são feitos com pasta crua.

Outra particularidade é que o comté é feito com leite de vacas de raças típicas da região, o que lhes confere um sabor particular e dificulta sua replicação em outros locais.

3. Saint-Nectaire

Uma ótima surpresa para a gente foi o maravilhoso Saint-Nectaire, que é da mesma família do brie e do camembert: os queijos moles, com crosta de fungos.

Este é um saint nectaire inteiro, que tem um tamanho próximo ao do brie, embora seja um pouco mais alto. Também é um queijo mole, como dá para notar pelo evidente amassado na lateral, algo que não ocorre em comtés ou parmesões. Na parte de cima, dá para ver as marcas da grade em que ele matura e essa multiplicidade de cores, do esbranquiçado ao preto, passando por várias tonalidades de castanho.

Em Brasília, passamos alguns meses comendo um excelente brie que era vendido na Pasta Madre (que, por acaso, continua sendo a minha padaria preferida, mesmo comparando com as ótimas padarias francesas). Quando chegamos aqui, continuamos investindo nos brie, que são relativamente baratos e têm um sabor com o qual já estávamos habituados.

Certa vez comprei um camembert, pensando que faria uma pequena variação, mas a diferença de sabor era imensa. Fui pesquisar e vi que o brie é um queijo mais suave, com um sabor mais próximo da manteiga. Façam a experiência: após saber disso, não consigo comer brie sem pensar que ele é mais próximo da manteiga que de vários queijos. Já o camemebert que compramos em um pequeno mercado de Paris (na noite em que chegamos) tinha um gosto forte demais, como se já estivesse passado.

Primeiramente, o saint-nectaire me pareceu a justa medida entre ambos, com um sabor mais intenso que o brie, mas sem o exagero do camembert.

Este é o saint-nectaire que normalmente compramos no mercado (vendido em cunhas de 1/6), ao lado de um reblochon (vendido em metades). Veja que ambos custam mais ou menos 4 EUR, que acho que é a meta dos mercados para o preço dos pedaços de queijo expostos.

Porém, ao escrever este post, descobri que o saint-nectaire não é exatamente da mesma família do brie e do camembert, mas de uma semelhante: os queijos lavados. Eles também formam uma crosta de fungos, mas ela é lavada ao longo do seu envelhecimento, para permitir a instalação de bactérias que alteram o seu gosto e textura.

Essa lavagem faz com que, em vez daquela crosta branca do brie, o saint-nectaire adquira uma coloração mais castanha e irregular. Além disso, como ele é prensado, a textura também é mais firme, embora não chegue à mesma dureza de um tomme. Porém, com o tempo, ele vai amolecendo também, tal como o brie e o camembert.

Fatia de sainte-nectaire, que acabei de cortar. Na parte de trás, dá para ver que ele já está começando a ficar mais pastoso, mas ele ainda está razoavelmente firme e com um gosto excelente.

Compramos vários saint-nectaire no mercado e cada um era diferente do outro. Uns mais altos, uns mais duros, uns com cascas mais escuras e espessas. Mas todos eles eram ótimos! Uma experiência que valeu muito a pena. Dentro do nosso ecossistema lácteo, ele acabou substituindo o brie: é o nosso queijo com casca saborosa, textura firme e gosto marcante, sem ser exagerado.

Da mesma família que o saint-nectaire é justamente o reblochon. Embora ele tenha um gosto mais intenso, também não é exagerado. Mas ainda precisamos comer mais dele para podermos ter uma opinião sólida.

Peça inteira de reblochon, em que podemos ver que a textura é mais mole e que restam poucos fungos na sua casca.

4. Roquefort

Outro queijo que sempre temos é o clássico roquefort. Em Brasília, costumávamos ter sempre gorgonzola, que tem um sabor próximo. Aqui, o gorgonzola é mais difícil de achar e é sempre mais caro, o que faz com que a gente dê preferência a outros queijos "azuis".

Lado a lado um gorgonzola (com fungos mais escuros e as marcas das agulhas que os injetam) e um roquefort, um pouco mais pálido e com fungos que fazem essas bolhas mais esbranquiçadas.

Também experimentamos o bleu d'auvergne, que é mais macio, cremoso e derrete mais fácil. Ele é ótimo para cozinhar, mas o sabor do roquefort é mais pungente. Esse é o único queijo que verdadeiramente agrada a toda a família (porque a Letícia não gosta tanto do comté, exceto como queijo para ralar sobre as massas).

Um bleu d'auvergne fermier, semelhante ao rochefort, mas com uma textura mais pastosa.

O gosto é semelhante ao do gorgonzola. O roquefort tem o charme de ser feito com leite de ovelha, como o nosso tomme preferido. Entretanto, o sabor do leite fica menos pronunciado, dada a prevalência do intenso gosto dos fungos.

Usamos o roquefort como fazíamos com o gorgonzola. Dá para espalhar no pão e para temperar saladas. Mas o uso mais comum é para fazer parte do molho de carnes vermelhas: basta refogar a carne com os temperos usuais e misturar roquefort (ou outro queijo azul) e um pouco de creme de leite. Não tem como errar.

5. Brie

O brie ficou mais para o fim da lista, pois raramente temos comido dele. Eu continuei comprando durante algum tempo, mas ele ia sobrando na caixa de queijos, até eu parar de insistir.

Os brie são queijos que foram discos largos e finos, cobertos por uma camada espessa de fungos. No queixo de baixo, dá para ver uma nuvem se formando. No mercado, eles não são vendidos assim, mas em cunhas, que são cortadas no mercado ou que já vêm embaladas nesse formato (points de brie). 

De fato, cheguei à conclusão de que gosto de bries bem jovens, enquanto ainda estão firmes, até mesmo esfarelando. Com o tempo, eles vão envelhecendo e ficando mais derretidos. Li que isso acontece muito rápido com o camembert, o que explica o fato de eu sempre achar que eles estão passados. Abandonamos o camembert, que nem vai entrar na lista.

Neste brie, vendido de forma visível, podemos notar que a camada mais próxima da casca começa a amolecer. O centro ainda está firme, mas ele logo começará a "derreter", tornando-se mais cremoso e adquirindo um sabor mais forte. Quando ele passa do ponto (para o meu gosto), o interior fica mole demais, tornando-se pastoso.

Um dos motivos de o brie ter ficado de lado foi o fato de que ele normalmente é vendido em pacotes fechados, que não deixam ver o estado de sua "affinage". Com isso, acabamos comprando queijos mais envelhecidos do que eu gostaria, que adquirem um sabor mais intenso, mas perdem a textura que mais me agrada.

Um camembert, queijo típico da normandia, vendido dentro de sua tradicional caixinha de lâminas de madeira, que nunca deixa ver o seu estado de maturação.

Contudo, eu tenho com o brie, para além de uma afinidade real, uma lembrança afetiva. Há quinze anos, fiz com o Jorge Medeiros uma viagem para a chapada dos veadeiros, que a gente batizou de "sideways do cerrado". Na saída de Brasília, paramos no Carrefour para comprar mantimentos e eu perguntei para ele: "brie ou camembert?". Ele riu e disse que parecíamos um casal de namorados. Essa acabou sendo uma piada interna e, de vez em quando, do nada a gente repetia essa pergunta, como se ela se tratasse de uma profunda dúvida existencial.

Naquele dia compramos brie, e acho que acertamos. Na última vez que eu vi o Jorge, quando ele já estava em cuidados paliativos, eu levei um brie para ele e comemos juntos, relembrando velhas histórias. Eu queria falar com ele que hoje tenho certeza de que brie sempre vai ser a resposta certa. Lembro dele sempre que falo sobre bries e fico triste em pensar que não posso contar essa história para ele, que nos deixou há quase dois anos.