Se todos os caminhos levam a Roma, todos os caminhos de Aix se encontram na Rotonde. Oficialmente chamada de Place General de Gaulle, ninguém a conhece assim. Eu mesmo, só descobri esse nome agora, pesquisando para escrever este post. Todos chamam esse lugar pelo seu antigo nome: Rotonde.

Mapa da Rotonde, em 1830. Fonte: Damien Pachot, site Aix en Decouvertes.

O excelente site Aix en Decouvertes, Damien Pachot oferece diversos detalhes sobre a origem da praça, de sua fonte e dos seus arredores. Entre eles está a imagem acima, que mostra a Rotonde de 1830, época em que ela marcava a principal entrada da cidade.

O mapa nos permite notar que se encontram na Rotonde as estradas que vêm do norte (Paris) e as que vão para o sul (Marseille). No início do século XIX, ainda existia a muralha da cidade, sendo que a entrada para o centre-ville ocorria justamente por meio da Cours Mirabeau, que continua sendo a rua mais emblemática de Aix.

Em 1854, foi construída a estação ferroviária da cidade, cujo terminal dava justamente para a Rotonde, do lado oposto à Cours Mirabeau (que ainda era chamada simplesmente de Grand Cours). Assim, os viajantes que desembarcavam dos trens tinham de passar pela Rotonde, para ingressar no centre-ville.

https://archive.org/details/4GSUP483_2/page/n268/mode/1up

Nessa mesma época, inaugurou-se uma barragem planejada pelo engenheiro italiano François Zola, que garantiu um fornecimento adequado de água à cidade. Laura Pujol conta que, antes desse momento, Aix era conhecida por ser um local sujo, insalubre e quente, que foi profundamente transformada pela água da Barragem Zola, que podemos ver quando caminhamos pelos bosques próximos da cidade.

Eu desconfiei um pouco dessa informação e perguntei ao ChatGPT se ela era verdadeira. Ele me respondeu que, de fato, Aix-en-Provence não era nem suja nem insalubre. "No entanto, é verdade que a construção do canal trouxe melhorias significativas na qualidade de vida da cidade, incluindo o fornecimento de água potável e um sistema de esgoto moderno" (ChatGPT, 2023).

Pedi referências ao chatbot e ele até me indicou um livro específico sobre isso, chamado "Aix-en-Provence, aquarelles d'antan : chroniques de la vie aixoise de la Belle Époque à la Libération", de Serge Panarotto. O problema é que não consegui achar esse livro no google, nem qualquer referência a ele, e fico sem saber se é um limite do GPT ou do Google.

O filho do engenheiro italiano que planejou a represa, mas morreu antes de seu término, era nada menos que Émile Zola. Após o falecimento do pai, com 13 anos, Émile se mudou com a mãe para Aix-en-Provence, vindo a estudar em um colégio do Quartier Mazarin. Na escola, ele se tornou amigo inseparável de Paul Cézanne, de quem se tornou um amigo inseparável, por décadas. Ambos adoravam a beleza da cidade, mas detestavam sua gente, que nunca os valorizou em vida.

Em comemoração à nova linha de fornecimento de água, ergueu-se na Rotonde a fonte circular que até hoje domina sua paisagem.  Ela foi inaugurada em 1860, sendo marcada por um conjunto de três esculturas, que observam as três grandes vias que deságuam nela.

A Rotonde, vista no outono, a partir do sul.

Olhando para o nascente, a Justiça fica de frente para a Cours Mirabeau. Voltada para noroeste, a escultura que representa as artes observa o caminho que vai para Avignon e, depois, Paris. Mirando o sudoeste, a Agricultura fica de frente para a Avenue des Belges, onde fica o apartamento em que ficamos ao longo de dezembro de 2022. Da sua varanda, podíamos ver a Rotonde, quase totalmente encoberta pelos plátanos que, àquela altura, ainda tinham folhas. Na foto abaixo, tirada a partir do apartamento, não dá para ver a fonte (que fica um pouco mais à direita), mas enxergamos claramente o ponto de ônibus Rotonde, que usamos sempre que vamos ao centro.

Vista para as paradas de ônibus da Rotonde, para os correios (à esquerda) e para a casa dos papagaios (na primeira árvore).

Também víamos uma surpreendente casa de papagaios de cabeça vermelha, que dão um pouco de tropicalidade a esses climas temperados. Eu achei que era um casal isolado de aves que teriam fugido de alguma gaiola, mas descobri que os papagaios se tornaram endêmicos em Aix e em Marseille, pois há mais de 2.000 deles na região, competindo por espaço com os pombos e estorninhos.

Zoom na casa dos papagaios invernais.

Hoje habitamos uma casa um pouco mais afastada e silenciosa, há uns 15 minutos de lá. Mas é preciso lembrar que, em Aix, todas as medidas se referem ao tempo de caminhada! De carro demoraria o mesmo tanto, pois o caminho é um pouco tortuoso, os automóveis sempre andam devagar e, principalmente, só existe estacionamento subterrâneo (e caro). O mais rápido é ir de ônibus, pois praticamente na porta da nossa casa passa a linha A, que funciona praticamente como um metrô, com um ônibus passando a cada 5 minutos.

Como as vagas de estacionamento no centro são muito menores do que a demanda, foram construídos estacionamentos verticais a cerca de 2 km do centro, junto às rodovias, para acomodar quem vem de fora. O pagamento de 3,5 EUR/dia (reduzido a menos de 1 EUR no plano mensal) inclui uma passagem de ida e volta de ônibus para todos os ocupantes do carro. Já um estacionamento de 24h no centro da cidade não sai por menos de 25 EUR, ou seja, o preço de um almoço ou de uma consulta médica.

A linha A vem do Parking Krypton, passa aqui na esquina a todo momento e nos leva para a Rotonde em menos de 10 minutos, o que serve para desestimular a circulação de automóveis no centre-ville, que é bastante congestionado nas horas de pico. Assim, saímos da Avenue des Belges, mas voltamos a toda hora para o ponto de ônibus que fica embaixo dele. Seja para passear, para ir às compras ou para viajar, sempre passamos pela Rotonde.

Nós e o resto dos habitantes de Aix, pois as velhas muralhas da cidade cederam lugar a uma avenida que contorna o centre-ville e cujo núcleo é justamente a Rotonde, cujos pontos de ônibus servem para a comutação entre as várias linhas.

Mapa das linhas de ônibus do centro de Aix

A Rotonde faz o contato entre o anel viário e a Rodoviária (Gare Routière), de onde saem os ônibus intermunicipais e parte dos ônibus locais. Porém, como boa parte das linhas metropolitanas cruza a cidade sem passar pela Gare Routière, a Rotonde acaba funcionando como uma rodoviária informal, pois é nela que praticamente todas as linhas se cruzam.

Com a expansão da cidade e as mudanças tecnológicas, a Rotonde deixou de ser o lugar onde os viajantes aportam. A estação de trem (Gare SNFC) foi deslocada um pouco mais para o sul e, quem vem de longe, costuma chegar pelo Aeroporto e pela Gare TGV, que ficam no território de Marselha. Quem vem das cidades próximas, tende a chegar na Gare Routière ou a parar seu automóvel em algum dos estacionamentos.

Contudo, todos esses pontos servem apenas como antessala, já que a chegada ao centre-ville continua se dando pela Rotonde, que serve como marco 0 para calcularmos todas as nossas distâncias provençais.

Rotonde, ao fundo, vista a partir da Cours Mirabeau, enfeitada para o natal e repleta de brinquedos para as crianças ocuparem suas pequenas férias de fim de ano.